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Assisti "A Casa que Jack Construiu", de Lars von Trier


Assistir a um filme do cineasta dinamarquês Lars von Trier é certeza de polêmica e desconforto. Da turma do cinema de assinatura, ele viaja fundo em suas criações. Não seria de se estranhar que seu último filme, "A Casa que Jack Construiu", lançado em novembro de 2018, trata-se de uma auto referência cinematográfica, assim como a expressão de seu alter ego/egotrip em um personagem que flerta com a arte como se fosse um grande conhecedor do assunto. Personagem este, o tal Jack, que é um psicopata e encara seus assassinatos como execução de uma obra de arte. 

Em "A Casa que Jack Construiu", nos deparamos com a trajetória do arquiteto Jack, interpretado divinamente por Matt Dillon (que não fazia nada de expressivo desde "Crash, No Limite", de 2004). Um dia, durante um encontro fortuito na estrada, Jack mata uma mulher, a Lady 1 (Uma Thurman). Este evento provoca um prazer inesperado no personagem, que passa a assassinar dezenas de pessoas ao longo de doze anos. Devido ao descaso das autoridades e à indiferença dos habitantes locais, o criminoso não encontra dificuldade em planejar seus crimes, executá-los ao olhar de todos e guardar os cadáveres num grande frigorífico. Exatamente 61 assassinatos. Tempos mais tarde, ele compartilha os seus casos mais marcantes com o sábio Virgílio (Bruno Ganz), chamado carinhosamente por Verge, numa jornada rumo ao inferno. 


A jornada de Jack é contextualizada e narrada nos anos 70, através de cinco casos aleatórios contados pelo personagem como se fossem relatos épicos, explicando seus feitos através de comparações com grandes expressões artística da humanidade (para o bem ou para o mal), assim como pensamentos filosóficos. Tudo para convencer Verge de que suas ações são justificáveis pela sua auto confiança em ser um verdadeiro artista. Ele até se nomeia "Sr. Sofisticação", matando suas vítimas e as fotografando em poses digamos que duvidosas. Em uma cena típica de Lars von Trier, o psicopata utiliza técnicas de taxidermia para deixar um "menino ranzinza" com uma expressão mais amável...Mas o resultado é muito diferente do que o psicopata enxerga, já que sua "grande obra" é realizada apenas no terceiro e último ato.

Banalização da violência, questionamentos sobre a falta de empatia da sociedade e misoginia trazem um conteúdo contemporâneo ao filme. E também tem um pouco de humor, já que o psicopata sofre de Transtorno Obsessivo Compulsivo. A sequência em que Jack limpa toda a cena de um crime, mas não  consegue deixar o local por achar que ainda há sangue em lugares improváveis (atrás de um quadro, por exemplo), é mais que hilária. Porém, não se engane. O filme é pesado, não pela violência explícita das cenas, mas pelo andamento e narração em si. Tem que ser iniciado na estética de Lars von Trier pra chegar até o final.


Com duas 2h35min (ufa!), "A Casa que Jack Construiu" termina em um epílogo onde Jack está de passagem pelo inferno em citação ao poema épico "A Divina Comédia", escrito por Dante Alighieri no século XIV. Chega a não importar muito, já que epílogos foram apresentados com mais impacto em outros longas do cineasta. Mas para além das polêmicas, lembrando que as cenas de violência são tão pesadas quanto as cenas de sexo explícito de "Ninfomaníaca" (2013), ou seja, nada excitantes, a questão que realmente fica é que podemos ser Jack, o psicopata, ou também podemos ser as vítimas. Se para os personagens a falta de empatia é explícita, para nós, espectadores, a identificação é imediata. E a propósito: anda faltando empatia no mundo, não é verdade?


Filmes de psicopatas existem muitos, a gente tem uma queda interessantíssima e emocional em se identificar com esse tipo de obra: "Psicose" (1960), "Se7en - Os Sete Crimes Capitais" (1995), "Psicopata Americano" (2000), "O Silêncio dos Inocentes" (2001), "Perfume: A História de um Assassino" (2006) e muitos outros que ficaram marcados no nosso inconsciente. Mas vale a pena assistir "A Casa que Jack Construiu"? Vale! Não é um dos melhores filmes de Lars von Trier, mas isso é culpa da expectativa que a gente cria em cima de uma obra dele. Apesar das falas desnecessárias (a tal simpatia por Hitler em 2011, no Festival de Cannes), o cara trata de forma única assuntos super delicados e difíceis como depressão, luto, psicopatologias e violência através de belíssimas e assombrosas metáforas. Vimos isso em "Melancolia" (2011), "Anticristo" (2009) e "Dançando no Escuro" (2000). Alguém aí conseguiu esquecer a tortura psicológica, moral e física da personagem Grace Margaret Mulligan (Nicole Kidman) em "Dogville" (2003)?

Por fim, não se deixe enganar pela violência gratuita anunciada ou a classificação como thriller de terror. Assim como o inferno, o buraco de "A Casa que Jack Construiu" é muito mais embaixo. 

Destaque para trilha sonora com "Fame" de David Bowie a pontuar algumas sequências impactantes - qual psicopata não quer ficar famoso? - assim como "Hit the Road Jack", de Ray Charles, que dá aquele alívio ao final do filme, escrito e dirigido por Lars von Trier. O elenco, além de Matt Dillon na pele no psicopata, conta também com Uma Thurma e Bruno Ganz, citados acima, e também com Riley Keough, Siobhan Fallon Hogan, Sofie Gråbøl e Yu Jie-tae. A data de lançamento aqui no Brasil, foi em 1º de novembro de 2018. 


Aproveita e clica nas imagens pra dar uma olhada no material divulgado na época de lançamento do filme:

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