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Preconceito não é coisa que se brinca


"só eu me incomodo com comentários racistas no Brasil?"

sim

só você
o último Navio Negreiro
Xica da Silva da RMC
Antártica Black em promoção
sobrinha distante de Josephine Baker
a escrava que cuspiu na xícara de chá da Princesa Isabel
devoradora de banana da terra
bonequinha de piche exótica
Neguin' do Pastoreiro
modelo infantil da caixa de cigarros de chocolate da Pan
diferentona
à frente de seu tempo
defensora dos fracos e oprimidos
cabeça de fósforo queimada
filho bastardo do Mussum
Vera Verão
emoji étnico
e talvez, mais de 10.560.287 milhões de brasileiros negros no Brasil também se incomodem. Dados da população negra e parda segundo o IBGE em Abril de 2015.

Parto do meme do momento para um editorial baseado em fatos reais. E que começa assim:

Quiosque "chic" (daqueles que se garantem só pelo nome) de shopping. Entre um café e outro, passa um menino pelo corredor. O radar apita e está na cara que é gay. Vejo olhares e risadinhas de sarcarsmo de um grupo que deu de frente com a bichinha. "Vai poderosa!". Não se deu por rogada. Jogou a franja e foi. Essa é das minhas, pensei. Um amigo que estava sentado comigo e com o radar também ligado, fez mais ou menos o seguinte comentário: chamar um cara que é pedreiro de "peão de obra", uma feminista de "lésbica", um branco de "branquelo"...Isso não dá em nada no Brasil...Mas vai ofender uma bicha...Dá um baita processo. E o pior! Vai chamar um negro de PRETO, NEGÃO ou de MACACO...Dá cadeia! Crime inafiançável!!!

Bom: o amigo em questão que é da raça branca e homossexual assumido, está inconformado com essa injustiça e acha que tudo não passa de vitimismo da NEGRADA. De repente, fere até a liberdade de expressão, não é mesmo? E acha normal chamar uma feminista de lésbica - porque ele acha que são mesmo. Normal também chamar um negro de macaco - porque na visão dele todo mundo se parece com algum animal.

Todo mundo sabe que no Brasil existe um gigantesco discurso de racismo e preconceito ocultos. A gente tem que ficar bem atentos para quando e como esse discurso aflorar. As vezes em piadas, olhares ou atitudes. Ou comentários como acima, logo disfarçados por um sorriso sarcástico. Mas alguns têm que entender de que não adianta se passarem por bonzinhos e amigos da galera. Uma hora derrapam. E eu prefiro mesmo que derrapem porque assim, posso saber com quem realmente estou lidando.

"Não tenho nada contra, eu tenho um amigo negro. Você!"...Conheço tão pouco o cara, mas já me elevou pra categoria de amigo. Mas de onde veio essa liberdade? Tenho amigos de vinte e tantos anos de amizade que brincam comigo. Dei essa liberdade. "Tá mas eu falei brincando com você". Eu sei que não falou. Quando você está entre pessoas que ama, pessoas que te conhecem a fundo, sabe muito bem o que é brincadeira. Tenho um amigo que fala "e aí pretinha?" toda vez que me liga. Eu respondo "e aí queridinha" e damos risada. Desmistificamos certas palavras. Questão de afinidades paralelas ao desenvolvimento emocional de cada um. Ele foi expulso de casa por ser gay. Superou. Ser chamado no feminino não acarreta mais nenhum trauma. Mas se alguém que ele não conhece disser "e aí queridinha?", vai achar no mínimo estranho. E não vai gostar.

Muitos vão dizer que TODO mundo tem os seus pré-conceitos. Tá ok. Eu tenho os meus: não misturo macarrão com outro tipo de comida no mesmo prato, por exemplo. E por questões óbvias e de sobrevivência, odeio todo mundo que odeia gay. E odeio todo mundo que odeia negro. Se esse ódio é justificável ou não, me julguem. Agora: praticar atos de racismo, sexismo, xenofobia, homofobia e afins? Questão de formação, falta de informação, seja o que for. Mas discernimento, educação e bom senso, fazem parte de um desenvolvimento saudável de uma mente segura. Com respeito, aceitação e entendimento das diferenças humanas.

Indo um pouco mais longe: existe uma categoria de bichas, como a do comentário acima: branca, de classe média e nível universitário. Passam livremente por qualquer ambiente, pois se orgulham de serem machos, já que conseguiram superar o bullying sofrido no ensino médio à base de muita terapia e academia. Agora, olham tudo por cima do muro, como se nada fosse com elas. Torcem o nariz pras afeminadas e convivem em grupos fechados. Excluem tudo o que é diferente. E reproduzem no seu eco-sistema de estrobo, tribal house e drogas sintéticas, todo e qualquer tipo de preconceito. Assim como a homofobia. De forma inversa.

Depois de um certo arrependimento e algumas justificativas por parte da ex-amiga bicha e algum terrorismo da minha parte, terminei o papo mais ou menos assim: quando você estiver dentro de uma loja sendo encarado por vários olhares desconfiados, quando na rua, uma mulher te olhar e segurar a bolsa contra o peito e mudar correndo de calçada, quando um taxista inventar uma desculpa pra não fazer a sua corrida ou, simplesmente, ouvir o cara que você está afim dizer "não tenho nada contra, mas não sinto tesão pelo seu tom de pele", a gente troca uma ideia. Pedi minha conta, paguei e falei tchau. O cara, desculpe aí. Eu não sou racista não. Tranquilo querido. A gente se fala depois.

Vim embora pensando o seguinte: convivi minha infância e adolescência com um bando de crianças malditas e racistas. Eu era o único negro da escola. O único negro da rua. Desde cedo ouvi muitas piadas sobre "o negrão isso e o negrão aquilo". Já tive muitos apelidos. Já me magoei muito por dentro e me questionei por qual motivo era tratado assim. Porque crianças são tão malditas? Chega uma hora que não se trata mais de reprodução daquilo que se vê em casa, mas sim de raciocínio de ideias, pensamentos e preconceitos próprios. De forma instintiva, aprendi a superar e criar mecanismos de defesa. Sobrevivi. No final da adolescência me afastei. Adulto, escolhi os meus amigos. Negros. E que de certa forma me ajudaram a encontrar a minha identidade.

Séculos de história toda pautada na segmentação, na exploração, na falta de respeito e desigualdade. Privação! Na não possibilidade exata de entender a sua origem. Correndo riscos só pelo fato de a pele ser negra. E muitos aí querendo que a gente volte pra senzala. Me poupe viado. Pior mesmo só aquela icônica frase: "Nossa, você é um negro de alma branca!". Me poupe 19 mil vezes, caralho!

A gente não pode mais se calar diante de certas situações.

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